Publicado a 30 de março de 2022
Há alguns anos que trabalho o tema da Economia Circular e a sua aplicabilidade prática no mundo empresarial. Nas colaborações que tive junto da Lipor e da AEP com quem colaboro no desenvolvimento de cursos de apoio à transição circular de empresas, apercebi-me da existência de um conjunto de ideias feitas sobre o tema, que bloqueiam o seu desenvolvimento. Entre estes mitos destaco 3 que me parecem críticos por promoverem alguma inoperância por parte das empresas:
1º Mito: “A Economia Circular é uma moda”
Este mito tem como resultado a inação por parte das empresas, porque assumem que será um assunto temporário. Esta interpretação assenta no desconhecimento da origem da Economia Circular. Embora a designação de Economia Circular seja relativamente recente, principalmente para o publico geral, o corpo de conhecimento que lhe deu origem é extenso, integrando no mesmo chapéu diferentes áreas do conhecimento (Ecologia Industrial, Biomimetismo, Pensamento Sistémico, Análise Ciclo de Vida, entre outros).
Destaco aqui influência da Ecologia Industrial, reconhecida como uma das principais raízes da Economia Circular, cujos fundamentos assentam no funcionamento dos ecossistemas naturais como metáfora e inspiração para melhorar a eficiência dos sistemas industriais. A Ecologia Industrial tem provavelmente o seu expoente máximo no parque industrial em Kalundborg na Dinamarca, com arranque em 1961.
A Economia Circular pretende alargar o conceito de Ecologia Industrial para toda a sociedade e mercado, promovendo a integração e harmonia entre os sistemas ecológicos, sociais e de mercado. Desta forma compreende-se que embora a designação de Economia Circular seja de facto recente, o conhecimento e experiência que lhe dão corpo já tem décadas de existência e provas dadas.
Por outro lado, multiplicam-se as iniciativas e planos de adaptação para sistemas económicos cada vez mais circulares um pouco por toda a parte, como são os casos dos Planos de Ação da União Europeia, as políticas de promoção da economia circular na China, ou em grandes empresas como o IKEA, Coca-Cola e Unilever, que já começam a dar os primeiros passos rumo à transição do modelo de negócio.
É assim errado interpretar a Economia Circular como uma moda passageira e a inação das empresas será um erro estratégico, à medida que o mercado se comece a adaptar a esta nova realidade.
2º Mito: “A Economia Circular é apenas gestão de resíduos”
O desenvolvimento deste mito compreende-se pelo facto de o sector de gestão de resíduos ser o principal entusiasta e impulsionador de medidas diretamente relacionadas com Economia Circular e ser o modelo de negócio circular mais facilmente reconhecido pela população em geral. Contudo, o conceito de Economia Circular estende-se para lá da gestão de resíduos. A Economia Circular pretende otimizar todo o ciclo de vida dos recursos consumidos pela economia e promover uma relação de benefício mútuo entre a sociedade e os ecossistemas.
Neste conceito incluem-se 5 modelos de negócio reconhecidos, com impacto em todas as etapas dos fluxos de recursos:
- Cadeias de abastecimento circulares: onde se inclui o fornecimento de energia renovável, consumo de materiais de base biológica, ou entrada de materiais totalmente recicláveis, para substituir consumo de materiais de vida única;
- Recuperação de recursos: onde se enquadra o sector de gestão de resíduos, e que visa a recuperação útil de recursos e energia proveniente de materiais descartados;
- Extensão do tempo de vida dos produtos: onde se incluem atividades que promovam o aumento de tempo de vida dos produtos, tais como a reutilização, reparação, upgrades…
- Plataformas de Partilha: onde se utilizam plataformas (online) para disponibilização de produtos, com o propósito de aumentar a taxa de utilização dos mesmos através da partilha entre vários utilizadores;
- Produto como serviço: onde se substitui a venda de um produto pela venda do serviço a que está associado ao produto. Em vez da venda do carro, vende-se o serviço de mobilidade, sendo que o carro permanece na posse da empresa.
Como se pode ver, a gestão de resíduos é apenas uma parte do sistema, sendo também a que está mais dependente da qualidade do sistema a montante e assim mais interessada em melhorar todo o sistema económico para um modelo cada vez mais circular.
Fonte: Waste to Wealth: The Circular Economy Advantage, Accenture, September 2015.
3º Mito: “A Economia Circular não é financeiramente viável”
A implementação de modelos de negócio circulares numa economia linear, onde a generalidade das pessoas está habituada a pensar de forma linear, será um dos principais obstáculos à transição, mas isso não se pode traduzir na conclusão da sua inviabilidade financeira, como se pode ver pelos vários exemplos de modelos de negócio circulares em implementação com evidente sucesso:
- A venda de Luz como serviço no aeroporto Schiphol na Holanda pela Philips, na qual o aeroporto paga pela luz utilizada, enquanto a Philips continua proprietária de todas luminárias e instalações;
- A plataforma de venda OLX, conhecida por promover a venda de produtos em 2ª mão;
- A PreZero, com um modelo de negócio totalmente integrado na recuperação de recursos, no qual destaco o serviço de exploração do Centro de Triagem de embalagens da Lipor. Neste contrato somos responsáveis por assegurar o loop de embalagens plásticas e metálicas produzidas na área de influência da Lipor, encaminhando-as para reciclagem.
Como se pode ver, não só a Economia Circular é financeiramente viável, como há dezenas de exemplos como os identificados na promoção de um futuro de efetivo crescimento sustentável.
De uma forma geral, todos os mitos resultam fundamentalmente do desconhecimento sobre o tema da Economia Circular. À medida que o conhecimento e compreensão sobre a Economia Circular se vá generalizando e novos modelos e iniciativas comecem a demonstrar as vantagens de integrar a economia e a sociedade dentro dos sistemas naturais em ciclos de crescimento mútuos, também estes mitos perderão a sua força.
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Luís Martins
Responsável de Qualidade, Ambiente e Segurança do Centro de Triagem da Lipor
Engenheiro do Ambiente licenciado pela Universidade Católica Portuguesa. Integrou a Cespa em 2007, permanecendo na empresa após a aquisição da mesma pelo Grupo Ferrovial. Atualmente é Responsável de Qualidade, Ambiente e Segurança da PreZero Portugal no Centro de Triagem da Lipor.